Musset, Alfred de
Poesias EspĂ­ritas
ALFRED DE MUSSET

O Sr. Timothée Trimm publicou, no Petit Journal de 23 de outubro de 1865, estrofes que um de seus amigos lhe havia ofertado, como tendo sido ditadas mediunicamente por Alfred de Musset a uma senhora de seu conhecimento, porque a loucura do Espiritismo ganha até os amigos desses senhores, que não ousam publicamente mandá-los para o hospício, sobretudo quando esses amigos são, como no caso, homens de notória inteligência, postos à testa da alta indústria artística. Sem dúvida em atenção a esse amigo, ele não denegriu tanto a procedência desses versos; contentou-se em os enquadrar numa fantasiosa encenação semiburlesca. Entre outras coisas dizia:

“Nada invento; constato. Num castelo dos arredores de Paris, mandaram vir o autor de Kolla e de A taça e os lábios... a uma mesa. Pediram versos!!!... inéditos. Um secretário espírita sentou-se à carteira encantada; diz ter escrito sob o ditado de um imortal... e eis o que mostrou à assistência.”

Na verdade, esses versos não foram obtidos num castelo dos arredores de Paris, nem por uma mesa, mas pela escrita ordinária; também não haviam chamado Alfred de Musset. Aos olhos do escritor, a idéia de trazer o poeta a uma mesa tinha, sem dúvida, algo de mais trivial em relação ao Espiritismo. Eis como as coisas se passaram.

A Sra. X... é uma mulher do mundo, instruída como todas as que receberam educação, mas absolutamente não é poetisa. É dotada de poderosa faculdade mediúnica, psicográfica e vidente e, em muitas ocasiões, deu provas irrecusáveis da identidade dos Espíritos que se comunicam por seu intermédio. Tendo ido passar a bela estação com o marido, também fervoroso espírita, num chalezinho em meio às dunas do Departamento do Nord, uma noite se achava em seu balcão, sob magnífico luar, contemplando a abóbada celeste e a vasta extensão das dunas, num solene silêncio, que só era interrompido pelos ladridos do cão da casa, circunstância a notar, porque dão aos versos um cunho de atualidade. De repente ela se sentiu agitada, como que envolvida por um fluido e, sem desígnio premeditado, foi levada a tomar de uma pena; escreveu de um jacto, sem rasura nem hesitação, em alguns minutos, os versos em questão, com a assinatura de Alfred de Musset, no qual absolutamente não pensava. Nós os reproduzimos na íntegra. Era 1o de setembro de 1865.

Pobre Espírito, eis-te aí, assim,
Contemplando o dia e a noite, enfim,
A triste duna,
Não tendo pra te desenfadar,
Senão esse cão que vem uivar
À luz da luna.

Quando te vejo só e agitada,
Erguer para a abóbada estrelada
Úmido olhar,
Os tristes dias vêm-me à lembrança
Que eu maldizia sem esperança
De algo encontrar.

Tal quanto em ti, sofrendo estou certo,
Em chama neste imenso deserto
Meu coração;
Como pérola do mar no fundo,
Um grito d’alma por todo o mundo
Busquei em vão.

Para a minha cabeça esfriar,
Sob o céu da Itália a viajar
Vivo em seguida;
Têm-me visto Florença e Veneza,
Entre moças de colo em nueza,
Encher a vida.

Por vezes o fraco pescador
Em me vendo, qual criança, de dor,
Chorar na praia,
E parando, cheio de piedade,
Esquecer as redes que à metade
O mar espraia.

Pobre menino, vem até nós;
Pondo-o em seus joelhos com terna voz
Lhe estanca o choro,
Te levaremos a teu passeio
Nas terras plenas de bom recreio
Lá onde eu moro.

Se nestes versos pra ti assim,
Ainda preso e apesar de mim
Esta feitura,
É para sábios que zombam fundo,
Trazer de minh’alma do outro mundo,
A assinatura.

Alfred de Musset

Publicando esses versos, o Petit Journal fez várias alterações que lhes desnaturam o sentido e se prestam ao ridículo. Na primeira estrofe, 6o verso, em vez de: Au clair de lune, ele pôs: Au clair de la lune, o que estropia o verso e o torna grotesco.

A segunda estrofe foi suprimida, o que rompe o encadeamento da idéia.

Na terceira, 2o verso, em vez de: Ce grand désert, que pinta a localidade, pôs: Le grand désert.

Na sexta, 5o verso, em vez de: Dans les terres pleines d’amour, que tem sentido, pôs: Dans les serres pleines d’amour, que não o tem.

Tendo sido pedidas essas retificações, é lamentável que o Petit Journal se tenha recusado a inseri-las. Entretanto, o autor do artigo disse: “Nada invento; constato.”

A propósito do romance do Sr. Théophile Gautier, intitulado Espírita, o mesmo Espírito ditou ao médium as estrofes seguintes, no dia 2 de dezembro de 1865:

Eis-me aqui outra vez. Embora ter, Senhora,
Jurado aos deuses que não rimaria mais.
É muito triste ofício o que imprimir faz
As obras de um autor que vem do além agora.

Fui para longe de vós, mas, Espírito afável
Arrisca-se a falar de nós com almo sorriso.
Eu penso que ele sabe além do que é preciso,
E que tenha encontrado a sua alma agradável.

Uma alma do outro mundo! É estranho realmente;
Eu mesmo já me ri quando aí me encontrava;
Porém ao informar que não acreditava,
Teria a me salvar um anjo clemente.

Que amado eu o teria, à noite, na janela,
Apoiada na mão a fronte em palidez,
Quando a sondar, em pranto, esse grande talvez,
Do espaço a percorrer a fúlgida aquarela!

Amigos, que esperais de um século sem crença?
Quando espremerdes pois vosso mais belo fruto,
O homem sempre achará seu tumular reduto
Se, para o sustentar, a esperança é indefensa.

Mas meus versos, dirão, para eles não são.
Que me importa, aliás, a censura é vulgar!
Disso quando era vivo, eu não quis me ocupar;
Hoje, eu riria, enfim, com mais forte razão.

Alfred de Musset

Eis a opinião sobre estes versos de um dos redatores do Monde illustré, Sr. Júnior, que não é espírita. (Vide o Monde illustré de 16 de dezembro de 1865).

“O Sr. T. Gautier recebeu de uma senhora uma poesia assinada por Alfred de Musset, e que se poderia intitular: A uma dama espírita, que me havia pedido versos para o seu álbum. Evidentemente aquela dama pretendia, já que se trata de Espiritismo, de ter sido a intermediária, o médium obediente, cuja mão traçou os versos, ditados por Alfred de Musset, morto já há alguns anos.

“Até aí tudo muito simples, porque, desde que se perscruta o infinito, todos os que acreditam no Espiritismo se voltam para vós e vos inundam de comunicações mais ou menos interessantes. Mas os versos assinados por Musset são tais que, aquele ou aquela que os traçou é um poeta de primeira ordem. É o jeito de Musset, sua linguagem encantadora, sua desenvoltura de cavalheiro, seu charme e seu estilo gracioso. Não é excessivo como o pastiche, não é intencional nem forçado; e se pensais que um mestre como T. Gautier se engana, é preciso que o quadro seja admiravelmente imitado. O lado curioso é que o honrado Sr. Charpentier, editor das obras completas de Musset, ao qual mandaram ler esses versos encantadores, que espero em breve vos comunicar, pôs-se a gritar: ‘Pega o ladrão!’

“Por certo presumis que não creio numa só palavra de tudo quanto narram os Allan Kardec e os Delaage, mas isto me perturba e me irrita; vejo-me constrangido a supor que esses versos são inéditos, são do poeta das Noites – o que é muito admissível, porque, enfim, sob que pretexto a dama em questão teria estes versos em sua gaveta? – ou então um poeta legítimo teria inventado esta mistificação, e os poetas não perdem assim as suas cópias. Qual, então, a solução possível? – Ouço daqui um homem prático dizer-me: ‘Meu caro senhor, quereis uma solução? Ela está em vossa imaginação, que exagera o alcance e a excelência desses versos; eles são bonitos e nada mais; e o primeiro médium um pouco pedante que conhece bem o seu Musset, fará outro tanto.”

Senhor homem prático, tendes razão; isto ocorre em noventa e nove por cento dos casos. Mas se soubésseis a que ponto tenho o sangue-frio! Li esses versos, mas ainda não lhos posso mostrar; li, reli ainda, e garanto que o próprio Gautier, o grandelingüista, o grande escultor do Poema da mulher, não faria melhor Musset que este.”

Observação – Há uma circunstância que o autor não leva em conta, e que tira toda possibilidade de que tais versos tenham sido feitos por Musset em vida: são as atualidades e as alusões às coisas presentes. Quanto ao médium, nem é poetisa, nem mulher pedante e, além disso, sua posição no mundo afasta qualquer
suspeita de fraude.

R.E. , janeiro de 1866, p. 44